sábado, 16 de fevereiro de 2008

À BENÇÃO IRMÃOS
Nas avessas travessias de sinais sagrados, criamos um trajeto de dor e inigualáveis repulsas dos outros seres a nossa figura envaidecida e ambiciosa. Há flores que sangram o vermelho inocente da pele de quem um dia foi senhor absoluto de todas as coisas. Água, terra, fogo e ar são testemunhas imparciais da história. Não posso exibir um sorriso pleno no meu rosto que esconde um perfil de matador e exterminador implacável dos irmãos cuja pele tinha a cor do por do sol em dias de verão. A vida empobreceu nos meus tecidos e células. O silencio se abateu sobre minha alma. Meu espírito afugentou-se em sua inaudita clausura. As reflexões me condenaram a praticar um rosário eterno de perdão e me vejo pelos milênios com os joelhos dobrados em um genuflexório de indignação. Sou um elo de uma corrente que se formou pela incompetência na arte de amar. Sinto um aperto no peito e minha garganta se estreita pela presença de um choro cujas lágrimas secaram com o passar dos tempos. E o tempo me obrigou a ceder diante da verdade que não se cala, e se todos se calarem as pedras falarão. E deitado na relva mansa ao lado do riacho que conseguiu manter-se vivo e intocável no coração da mata, leio na formação divina das nuvens uma mensagem: “ Perdido em mim, não sei ser mais o que fui e nunca poderei deixar de ser. De mim me perco e me esqueço do que sou na precisão que já tenho de imitar os brancos no que eles são: uma apenas tentativa inútil que me dissolve na dor que não me devolve o poder de me encontrar. Já deslembrado da glória radiosa de conviver, já perdido o parentesco com a água, o fogo e as estrelas, já sem crença, já sem chão, oco e opaco me converto em depósito dos restos impuros do ser alheio. Resíduo de mim, a brasa do que já fui me reclama, como a luz que me conhece de uma estrela agonizante dentro do ser que perdi” (Thiago de Mello). E ao me aproximar do pequeno veio de água a percorrer seu trajeto abençoado, meu rosto surge imponderável na superfície do seu espelho. Um Carcará grita no topo da árvore. As folhas imitam um bailado de anjos. Algumas pétalas do Manacá do Campo lançam-se sobre meu corpo nu. Sinto um frescor agradável no coração da mata. Não resisto ao chamado e canto um cantar primitivo do que fui na algibeira do tempo. Ali, parado e pregado nessa constelação de pensamentos, abraçado e amparado na minha dor pessoal, conclamo o céu e a terra a editar glórias aos índios, meus irmãos espirituais e carnais que ainda lutam para sobreviver sobre o direito de serem os senhores de mim.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008



ESCALADA INGRATA
Quando iniciamos nossa escalada, como alpinistas incautos dessa montanha chamada progresso, encantados em alcançar o seu cume, iludidos pelos brilhos enganosos que víamos na sua superfície, não imaginávamos que teríamos que iniciar uma descida imediata para que escapássemos com vida. Essa aventura foi desde o início uma irresponsabilidade. Lá do alto percebemos que nada tinha para ser conquistado. O que imaginávamos ser importante para nosso conforto, além de ser fictício, mantinha em seu mistério, um preço muito alto, que nenhuma fortuna terrena poderia pagar. Essa descida precisa ser feita com muito cuidado. Sem atropelos. Conscientemente devemos ignorar os alpinistas relutantes em descer. Os que preferem morrer não podem arrastar outros para o mesmo destino. Os líderes dessa descida, devem ser o bom senso, o reconhecimento de que erramos demasiadamente na subida, a inteligência e o respeito pela vida de todos. Quem desejar cravar a bandeira da ignorância no cimo dessa aventura suicida, que gerou conflitos sérios entre o homem e a natureza, que o faça sem a minha participação. Sou alpinista de mochilas arreadas. Pés descalços. Retorno para o seio sagrado da existência na tentativa de recuperar o que ajudei a destruir. Minha descida significa a maior subida que já realizei fora dos parâmetros do dialeto mecânico da ambição a tudo custo.
Minha nova meta é a vida em função de todos os seres. Da água e das florestas. Dos insetos. Da permanência do divino a nossa volta. Na manutenção do céu azul. No canto dos pássaros. Ser alpinista dessa equipe suicida que sobreviveu diante da morte dos valores sociais, de líderes que defenderam a vida e morreram por ela, não inspira mais crédito e nem devoção. Repudio o momento em que iniciei essa escalada, ainda que cego pela manifestação que tomou conta do mundo. Milhões subiram e milhões morreram em função dessa escalada doentia. Milhões continuarão a morrer. Milhões serão poupados se entenderem que é chegada a hora de pisar firme no solo da compreensão e do amor a todas as coisas.
O mundo teceu sua malha pegajosa e ergueu templos para o deus consumismo lançando-se contra a vida nessa reação fundamentalista, radical, em nome do progresso. O que somos hoje? Senhores ou escravos? Saudáveis ou almas empedernidas pelas doenças que se espalham como tentáculos destrutivos? Não respondam. Reflitam e iniciem a descida em direção a vida.

BRASILEIROS
Cada criança que nasce em meu país, representa uma esperança de dias melhores. E o nosso povo aprendeu a viver de esperanças. Manipulado pelas forças políticas, sejam repressivas ou democráticas, situação ou oposição, a Nação Brasileira continua a servir de sustentáculo para um vilipêndio secular. A política de oposição, situação, esquerda, direita, centro, aprendeu a fazer do povo uma arma poderosa para suas predileções. Quando o cidadão de bem sai as ruas em busca de seus direitos, serve aos propósitos dos partidos. Oposição e situação convergem para um mesmo patamar, ou seja, a continuidade no poder, diante da perplexidade dos brasileiros que continuam na mesma. Nossa gente sempre esteve disposta a mudar os rumos dessa política secular que nos rouba freqüentemente. Que pisoteia nossos direitos. Que alicia ideais. Que navega nos mares da corrupção. Que fomenta a continuidade do analfabetismo, pois uma povo ignorante é facilmente manobrado. Soluções existem para tudo. Falta de água no Nordeste. Fome. Desemprego. Educação. Saúde. Porém essas necessidades básicas estão grudadas nas campanhas políticas e servem de palanque para promessas e mais promessas. Não há interesses em colocar um fim na pobreza e suas seqüelas. O povo precisa continuar a pedir para que o político continue a prometer. Cumprir com as promessas é uma questão de caráter. Pela nossa história, pelo que o povo já ofereceu aos setores políticos nacionais, mostrando-se confiante, esperançoso, teríamos que estar na frente de todos os países latino americanos, ainda mais, deveríamos ser a primeira ou segunda potencia econômica no planeta. Para onde foram tantos recursos aplicados? Quem são os grandes vilões da nossa história? Onde está nosso dinheiro, em que bancos internacionais, em que paraísos fiscais? Seria interessante que nosso povo exigisse respostas para nossos questionamentos. Seria interessante, que diante das eleições, firmássemos um propósito de colocar nosso voto nas urnas, mediante uma prestação de conta do Governo Federal sobre nossas finanças. Precisamos recuperar o que nos foi tirado durante séculos. Nosso calar permite que a continuidade da corrupta forma de governo infecte o Planalto Central. Quem cala consente. Meu povo anda calado. Cabisbaixo. Perdeu a vontade de lutar por seus direitos. São poucos aqueles que se levantam contra a impunidade. O cartão corporativo. Os desvios de verbas. O mensalão. A imunidade parlamentar é um processo permissivo para que as coisas continuem como estão. A cadeia deveria servir para prender todos os ladrões. Mas não é bem assim. Quem deveria ser isento dessa punição é o trabalhador brasileiro, ainda que, no desespero de manter sua família de forma decente, cometesse algum ato contra nossa Constituição. O passado grita. Não sou necromante, mas percebo na lembrança um pedido de socorro.