sexta-feira, 2 de outubro de 2009

LIBERDADE NÃO É BRINCADEIRA

O imperador da China ouviu falar, um dia, de um famoso ermitão que havia nas montanhas. Mandou uma comitiva a oferecer-lhe o posto de primeiro ministro do seu reino. Partiu, pois, a embaixada e após longa viagem chegaram ao lugar em que vivia o ermitão: lá estava ele a pensar, sentado numa pedra. Não podia ser este o famoso ermitão de quem o imperador pensava tanta coisa...duvidam, a princípio, os membros da embaixada. Mas, depois de inquirir, numa aldeia vizinha, tiraram tudo a limpo: ele era o procurado: ficaram, pois, de pé, na margem do rio, junto a pedra do sábio e o chamaram. Ouvindo-os, saiu o ermitão para encontrá-los e deles recebeu os valiosos presentes mais o honroso convite: o recado do imperador. Quando o bom ermitão percebeu todo o alcance da mensagem real: que o imperador o queria fazer seu primeiro ministro, atirou para trás a cabeça e explodiu na mais sonora e estrepitosa gargalhada. Mas logo conseguiu controlar a risada e assim falou aos espantados mensageiros: “Olhem aquela tartaruga ali, na lama!...Será verdade mesmo o que eu ouvi dizer? Que, na capela do palácio, o imperador reúne, diariamente, a família e empregados a fim de prestar culto a uma tartaruga que se vê sobre o altar: velho bicho empalhado de casco reluzindo em rubis e diamantes?” “Sim, é pura verdade, eminente senhor.”

“Julgariam vocês que aquela tartaruga que ali estão vendo, remexendo-se na lama, poderia trocar seu destino e lugar com a divina tartaruga do palácio?

“Oh não, não poderia, eminente senhor.” “Pois voltem, vão dizer ao seu imperador que não troco nem eu de lugar e destino. Eu prefiro estar vivo, aqui nestas montanhas a estar morto e empalhado em seu grande palácio! Sim, morto, pois ninguém pode estar num palácio, durante muito tempo, e dizer que está vivo!. Da mesma forma, escrevo e muitas vezes busco nos textos dos homens sábios, uma complementação para meus pensamentos. Não troco minha liberdade viva, natural, pelas prisões dogmáticas, conceituais, ilusórias das religiões, onde a morte prolifera como figura sacramental.

SOU E ESTOU

(adaptação)

A Sagrada Mãe Natureza, ameaçou a humanidade com um tremor de terra que engoliria as águas da região. Outras águas viriam, tão funestas, que, num segundo, ficariam loucos todos os homens que bebessem delas. Apenas um homem acreditou na Mãe Natureza e, enchendo de água enormes jarros, foi para a montanha e lá, numa caverna, acumulou água que lhe bastasse até morrer. Pois tudo aconteceu. O terremoto veio e as águas boas foram, por ele, todas deglutidas e novas águas más, então, encheram as fontes, os riachos, as lagoas, os rios, etc. Alguns meses depois, o homem desce para ver o que havia acontecido. De fato, todo mundo estava louco. Avançaram sobre ele o o atacaram dizendo que o louco era só ele.

Voltou, pois o homem, à sua gruta, feliz pela água boa que trouxera e armazenara. Mas o tempo passou e a solidão tornou-se, pouco a pouco, insuportável. Necessitado, então, de companhia, desceu, mais uma vez, sua montanha e foi, mais uma vez, repudiado pelo povo, por ser tão diferente. Aí, ele tomou a decisão: atirou fora a água que ajuntara, bebeu as águas más dos seus irmãos e ficou louco como todos eles.

Quando descobrimos o que entendemos ser a Verdade, caminhamos só. É um caminho estreito demais para comportar alguém ao lado. Quem pode suportar tal solidão?

As pessoas não se arriscam e não estão interessadas em viver o que acreditam. Abraçam o que se arrasta pelos milênios, acomodadas em um silêncio comprometedor, digno de quem não deseja pensar com a liberdade que todos os seres possuem desde o nascimento. As tradições, lançadas como plataformas ao continuísmo, ocupam os espaços e agregam pela pedagogia do medo.

Penso e portanto não preciso aceitar o que me dizem ser a verdade. Sinto e não há necessidade de fazer com que outros sintam por mim. Na solidão, que não é doentia, mas, introspectiva, absorvo o néctar da confraternização espiritual que emana da terra, da água, do fogo e do ar. Estou inserido no contexto natural de uma manifestação cósmica sem dependência. Eu sou.