sábado, 28 de maio de 2011

SOU O QUE NÃO QUERO SER



Chora comigo onda que se espalha na praia, suja pelo homem imundo desse mundo que agoniza. Voa comigo, carcará faceiro, que teme voar no ar manchado pelos mísseis das guerras. Canta comigo, sabiá laranjeira que do alto da árvore, se finda na fome, que visita sua vida pelos desmatamentos. Ore comigo, capivara assanhada, paralisada, olhando para o cano da arma, que te aponta o seu furioso algoz. Sorriam comigo, todos os seres, que do patamar da vida, observam o homem escorregando e caindo no poço de lama que ele criou. Salte comigo lebre, sabida, que perdeu seu cerrado e fica escondida em meu quintal. Assovie comigo, saíra de sete cores, que entre os rumores do fim do mundo, bate suas asas na minha direção. Abra-se céu e tombe a chuva, que encanta e amansa a terra ressequida e sofrida, de muitos irmãos. Aborte mãe terra, seus filhos ingratos, que cagaram em ti e não respeitaram nem o colibri. Pisquem comigo, estrelas cadentes,  que ao longe, entre um olhar e um calar, me fazem pensar se haverá um amanhã. Gritem comigo, hienas sensatas, que não se aproximam daqueles que lhes podem comer. Me ensinem ,albatrozes e gaivotas, um vôo perfeito em direção a luz. Sintam o meu cansaço, o meu tropeço, minhas pernas fraquejam no meu querer. Lutem comigo águas perdidas, passando as pedras, atingindo as curvas, de um rio maculado antes mesmo de nascer. Nasçam nascentes da água, que a cada dia fica mais rara de se beber. Vomitem comigo, matas e florestas o pó venenoso da poluição da manhã, que chaminés , escapamentos, num aumento infernal, infectam suas entranhas no pantanal. Pulse vida liberta, que os malfeitores não podem matar. Cavalguem comigo, bestas e burros, zebras e touros, cavalos e asnos, tapir e jegues, sem pátria e sem rumo, esperando o momento para desvanecer. Olhem o relógio do tempo, que trepida na frente da minha vida,  do dia de ontem apagando a fonte do nosso viver. Olhem comigo, a vida que está ferida, de tanto morrer. Falo na voz da formiga, das joaninhas, da mariposa, das borboletas, que se desencantaram de tanto enfeitar os descasos dos homens, insaciáveis, em desrespeitar. Eu sou um elemento que entre tantos momentos se recusa a morrer. Sou água. Sou terra. Sou ar. Sou fogo. Sou homem, na minha incerteza de não querer ser.


CARLOS ROBERTO VENTURA

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